Reis Do Economato. Nuno Silverio
tinha aprendido; uma foto simples, fundo branco, de olhar confiante. Colocou o seu nível académico, o estágio, umas conferências sobre turismo e hotelaria a que tinha assistido e, por fim, os trabalhos de Verão que havia realizado. A sua irmã Silvia bem o tinha avisado: “Para não pensarem que nunca fizeste nada da vida!” Terminado, confirmou que o currículo não ultrapassava as duas páginas e deu-o por concluído. O essencial era dar-se a conhecer de forma rápida e de fácil visualização.
Via os anúncios de emprego na internet em várias páginas para o efeito e procurava oportunidades na área da gestão e direcção. Não queria ter de trabalhar em restauração até pela rotatividade dos horários e a sua vontade de fazer um doutoramento. Como não surgiam as oportunidades que desejava pelos sites de trabalho, começou a enviar candidaturas espontâneas para assistente de direcção para vários hotéis da região. Era assim que se via, a ser o braço direito do director e a gerir toda a operação do hotel, verificar os eventos, falar com o Chef de Cozinha e o Chefe de Restaurante, ver a ocupação e a receita média por cliente e discutir estes valores com o Chefe de Recepção. Os dias passavam, mas para além de uns emails de cortesia a agradecer a candidatura, “A qual merecera a melhor atenção”, nada de concreto. Luís Alberto recordava a situação da sua irmã Rita que havia ido entregar currículos porta-a-porta e numa gráfica olharam para o seu curriculo e disseram-lhe: “Mas, você nunca trabalhou!” Todos lá em casa tinham comentado esse episódio porque se todas as empresas pensassem assim, nem ela, nem os jovens na sua situação, alguma vez arranjariam trabalho.
Luis começava a desmoralizar e a pensar procurar trabalho nos restaurantes da zona. Não queria sair da área da Hotelaria, que tinha sido a sua área de formação. Nisto, recebeu uma chamada de um número fixo que desconhecia:
– Luis Alberto Anunciação? Ainda está à procura de trabalho? Recebemos a sua candidatura espontânea e queremos fazer-lhe uma proposta. Tem disponibilidade para entrevista?
– Com certeza – disparou Luis. – A proposta será para que função?
Na sua cabeça, esperava a proposta para Assistente de Direcção e já se via a comandar as operações de F&B do Hotel, no entanto, a resposta do outro lado foi diferente:
– Para Economato – disseram.
“Economato? Que raio” – pensou Luís. No entanto, à falta de outras alternativas, resolveu ir a entrevista.
Informou-se sobre o Hotel: um pequeno grupo familiar com apenas um Hotel de 3 estrelas. O Hotel TrisStar estava bem localizado e, pelo que percebera da pesquisa, tinha boas taxas de ocupação. Continuava sem saber o que era ao certo o Economato.
“Não precisas de saber tudo, apenas precisas de ter o número de telefone de quem sabe.” – dissera-lhe o pai um dia.
Quem o poderia ajudar, a quem podería ligar?
O Economato
Foi pesquisar sobre Compras e Economato e passou a tarde nisso. Chegou à conclusão de que a informação específica sobre a área Logística no ramo hoteleiro não era muita. Quanto mais lia mais confuso se sentia, era complicado organizar toda a informação mentalmente sem nunca ter estado a trabalhar num armazém.
Decidiu ligar a três colegas da Universidade: António Esteves, Venâncio e João Pimenta.
António era um dos seus colegas dos trabalhos de grupo. Actualmente, trabalhava na recepção de um Hostel onde fazia tudo desde receber os clientes a preparar pequenos-almoços e receber os fornecedores. Não sabia muito sobre o assunto, recebia os produtos conferindo com a factura do fornecedor para ter a certeza que a quantidade entregue era idêntica à indicada na factura. Por vezes os artigos entregues, vinha mais tarde a saber, não eram os que tinham sido pedidos. O dono do Hostel, o seu “chefe”, era quem tratava dessa parte e como só aparecia perto da hora de almoço no local depois reclamava que os fornecedores estavam sempre a trocar tudo.
– Não há-de ser difícil. Se souberes o que pediste é fácil controlar o que os fornecedores entregam. Vais ser capaz, sempre foste o melhor da turma – finalizou António.
João Pimenta, Jota como era tratado no meio Universitário, era outro colega com quem Luís normalmente fazia os trabalhos de grupo. Sem o ter previsto, tinha estagiado 2 meses no Economato de um Hotel de 5 estrelas:
– Uma vez, pedimos assistência para a Câmara Frigorífica do Economato. Passadas duas semanas, e depois de vários telefonemas, lá chegou o técnico. Perguntei-lhe o porquê da demora ao que ele respondeu: “Eu não dava com o Hotel, perguntei à empresa para onde era a assistência e responderam-me ‘No Economato’, mas coloquei no GPS e não me aparecia nenhum Hotel chamado ‘Economato’ aqui na zona.”
Parecia anedota esta história, no entanto, era verídica. Luís incrédulo com o que acabara de ouvir pensava aliviado: “Bem, não sou só eu que desconheço o termo Economato“.
O Jota tinha sido chamado ao Economato porque o Fiel de Armazém, ou Despenseiro, tinha partido a perna numa partida de futebol entre secções e no seu infortúnio resolveram desviar um estagiário do restaurante para suprir a sua ausência. João fazia um trabalho físico; arrumava tudo o que chegava nas respectivas prateleiras e separava as requisições. Contou que tudo o que se encomendava era feito no computador e pela manhã imprimiam as listas de Requisição, para haver um documento escrito que servisse de prova e com o qual se poderia separar e conferir as mercadorias a entregar.
O Ecónomo, o Sr. António Barroso, conhecido por ‘Sr. Toni’, era rígido e todos os dias havia devoluções: Não tolerava latas amolgadas, embalagens abertas, era super desconfiado e pensava que todos os fornecedores o queriam iludir para tirarem vantagem do Hotel. Com os próprios colegas a sua atitude não era mais aberta, não era muito sociável e era parco a ‘desenrascar’ as outras secções. Todas as saídas de material do armazém tinham dias e horas programadas e, muitas vezes, o director era chamado a intervir para o Sr. Toni libertar material urgente para o serviço ao cliente: “Sem Requisição, não” – repetia constantemente. Quando era desautorizado acabava por entregar os bens, mas ficava resmungão porque, segundo ele, aquela permissividade do Director só desresponsabilizava os prevaricadores.
Jota sentindo o nervosismo do seu amigo confortou-o:
– Tem calma Luís, não é nenhum monstro, é tudo uma questão de rotina, só custa no início.
Venâncio, esse, apesar de ter terminado o curso antes de Luís, continuava a enviar currículos enquanto ajudava os seus pais no restaurante da família. Não tinha respostas e sentia-se preso no negócio da família gerido à maneira antiga: vinha o tio e tirava dois bifes para levar para casa para o jantar; o pai chegava ao final do dia e contava o dinheiro na caixa e depois conforme o volume de facturação assim era o seu humor no dia seguinte. Venâncio não gostava da forma como tudo era gerido, mas apesar de licenciado em Hotelaria, ninguém o levava a sério e nunca aceitavam as suas sugestões. O que tinha a certeza é que a mãe era uma excelente cozinheira e a comida era realmente apelativa. Isto reflectia-se em casa cheia ao fim de semana, pois o local era afamado pela qualidade e pelas doses generosas.
Uma refeição ali era realmente barata para o bem que se comia e Venâncio pensava se ganhavam realmente dinheiro. Fichas técnicas era algo que não entrava no léxico daquele espaço, assim como Food Cost era algo que para a mãe de Venâncio soava a nome de um filme estrangeiro. Eram tudo conceitos teóricos que Venâncio bem aprendera no curso, as suas disciplinas favoritas eram todas as relacionadas com gestão de custos de F&B (Food & Beverage – Comidas e Bebidas) e ansiava por colocar esse conhecimento em prática. Quanto a Economato, no restaurante dos pais tudo era rudimentar ao que o Luís percebeu que funcionavam de forma semelhante ao Hostel onde trabalhava o António.
Depois destes telefonemas Luís ficou mais esclarecido quanto ao que era o Economato. Sozinho no seu quarto tentava visualizar o que o esperava.
A Entrevista
Luís