Reis Do Economato. Nuno Silverio

Reis Do Economato - Nuno Silverio


Скачать книгу
via o filho na Recepção a receber os clientes e um dia a ser Chefe de Recepção ou Director. Luís partilhou da sua visão e lamentou que de momento era a única possibilidade que existia. A mãe, sempre carinhosa e compreensiva, encorajou-o e disse-lhe para acreditar nele e que estava no início de uma bela carreira.

      Luis praticamente não jantou. A ansiedade tirava-lhe o apetite. Sofreu insónias e acordou imensas vezes durante a noite pelo que acabou de pé uma hora antes do previsto. Saiu com umas calças de ganga e pólo. A Dona Teresa tinha-o precavido para ir com sapatos confortáveis e roupa prática, pois desde a saída do anterior ecónomo o armazém estava bastante desarrumado e era necessário algum trabalho físico de reorganização e limpeza. Não havia farda, apenas uma bata azul para proteger a roupa que traziam de casa.

      Luís Alberto chegou ao hotel quinze minutos antes de Dona Teresa e esperou-a na recepção conforme tinha ficado combinado. Cruzava os braços para disfarçar o nervosismo enquanto olhava para a janela procurando algo que o distraísse. Nisto chegou a Dona Teresa com o seu habitual sorriso:

      – Bom dia Luis, preparado? Vamos a isto!

      Luis seguiu-a e ela foi mostrando os cantos à casa enquanto o ía apresentando aos colaboradores por quem iam passando. Alguns sorriam e davam as boas-vindas, outros mostravam-se mais desconfiados talvez por verem um jovem assumir aquela responsabilidade. Mais tarde veio a descobrir que era hábito fazerem apostas quando chegava um novo elemento sobre o tempo que ele aguentava. Talvez o estivessem a avaliar para dar o melhor palpite.

      Passaram pela cozinha onde conheceram o Chef Rui Martins. Sentiu as suas mãos ásperas quando o cumprimentou, não era um cozinheiro “encartado”, tinha trabalhado na construção civil e o gosto de miúdo pela cozinha tinha feito com que concorresse à vaga. Dona Teresa tinha gostado da sua atitude e vontade de desempenhar o ofício: era hábito surpreender tudo e todos com as suas contratações e, no entanto, normalmente tinha sucesso. A Responsável do Restaurante era a senhora Maria Albertina que estava no hotel desde os seus 18 anos. Começara na Copa, depois fora para o Restaurante e Pequenos-Almoços e, entretanto, chegara a Chefe de Sala. As equipas eram pequenas à imagem da dimensão do Hotel.

      O Hotel servia para além do pequeno-almoço um almoço modesto com três opções, carne, peixe e vegetariano em serviço buffet. À noite, as refeições eram asseguradas pelo room service com a Carta a ser composta por uma sopa do dia e os pratos serem à base de ultracongelados como lasanhas e bacalhau com natas. Para quem queria algo mais ligeiro tinha uma gama de sanduíches. Tudo isto tinha implicância ao nível da Logística e dos artigos que eram necessários comprar e gerir os stocks para não existirem rupturas que resultam, normalmente, num cliente insatisfeito.

      A Governanta tinha o seu gabinete no piso inferior ao lado da pequena Lavandaria e dos armazéns de Economato e Manutenção. A Governanta, Dona Luísa, era mais uma peça da mobília. Gritava imenso com as suas colaboradoras e parecia extremamente exigente: Luis sentiu-se inibido na sua presença. Como iria lidar com todos aqueles egos?

      Por fim, chegaram à porta do Economato e cruzaram-se com o seu vizinho, Sr. Joaquim, o responsável pela Manutenção. Utilizava um corte de cabelo à Elvis Presley acompanhado por umas grandes patilhas. Recebeu-o com cordialidade e desejou-lhe sorte. A porta do Economato encontrava-se escancarada e saía uma cozinheira com um saco de farinha e duas latas de grão em passo acelerado que quase chocava com Luís sem o ver. Dona Teresa clamou:

      – Lá anda você, Catarina, sempre a correr, tenha calma mulher!

      – Isto é sempre assim? – questionou Luís.

      – É tudo uma questão de hábito – confirmou Dona Teresa.

      Luís estava assustado com a aventura ainda agora estava a começar.

      O Mundo do Trabalho

      Entraram pela porta do Economato que parecia um labirinto devido à quantidade de material espalhado pelo chão; enlatados, refrigerantes, grades de água cheias e vazias, embalagens de papel higiénico, rolos de cozinha, rolos de película aderente e de alumínio. Duas arcas congeladoras horizontais como as que temos em casa e mais três frigoríficos verticais com frutas, ovos e iogurtes. Havia caixas de cartão vazias, embalagens rasgadas onde faltavam uma lata ou uma garrafa e as prateleiras que existiam estavam apenas metade ocupadas aparentando não ter nenhuma lógica de arrumação. Havia caixas fechadas que não se percebia o que era. Parece que um tsunami tinha passado por ali!

      Ao fundo estava plantada uma secretária cheia de papéis onde o computador quase não se via. Num lado, facturas, no outro, folhas soltas escritas à mão. Supostamente era tudo o que era retirado. Outra folha por cima do teclado estava identificada como “Faltas” e, à frente dos artigos, tinha ‘vistos’ com uma cor de esferográfica diferente. Na parede ao lado do computador encontrava-se afixada uma lista com nomes de fornecedores e números de telefone.

      D. Teresa relembra a Luís o que tem de fazer:

      – Primeiro, é melhor familiarizares-te com o armazém e arrumá-lo para ficarmos com mais espaço. Depois, organiza a papelada porque, desde que o Santiago, saiu ninguém tocou nisso. Entretanto, vão aparecer fornecedores porque hoje é 3ª feira, vai conferindo e arrumando as mercadorias – explica esperando ter a compreensão de Luís.

      – Conferindo? Como assim Dona Teresa? Como sei o que é suposto chegar? – Luís começava a respirar mais aceleradamente.

      – Vai vendo pelas facturas dos fornecedores se correspondem ao que estão a entregar para não nos enganarem… Ah, entretanto é normal virem colegas pedir material, escreve tudo o que levantarem para no final do mês o inventário bater certo – diz Dona Teresa com um ar de que tudo aquilo era normalíssimo.

      – E as encomendas, Dona Teresa, como faço?

      – As encomendas eram o Chef Rui ou a Maria Albertina que faziam antes de irem para casa. Agora que cá estás, eles vão deixar-te a lista e ligas aos fornecedores. Alguma dúvida, tens aí junto ao telefone as extensões da Cozinha, Restaurante e Direcção. Liga-lhes directamente ou, se necessário, a mim que eu ajudo – clarificou Dona Teresa.

      Dito isto chega um fornecedor, uma voz rouca:

      – Bom dia.

      Quando Luís olhou, reconheceu aquela cara: era o fornecedor do dia anterior.

      Dona Teresa desejou-lhe ‘boa sorte’ e retirou-se.

      O fornecedor disse, admirado:

      – Você aqui? Bem, pelo menos hoje abriram a porta mais cedo, o que já é uma grande ajuda.

      – Pois, agora vou ficar por aqui, espero…– disse Luís ao fornecedor, não muito confiante.

      – Desejo-lhe boa sorte – encorajou o fornecedor. – O outro tipo era um ‘chico-esperto’. Não gostava da arrogância dele, porém, era rápido a despachar os fornecedores e mantinha isto arrumado.

      Luís e o fornecedor conversaram um pouco distraindo-se até serem interrompidos por outro fornecedor. Luís assinou a factura à pressa sem ter conferido a entrega:

      – Está a ver, estive cá ontem com meia dúzia de coisa e hoje fizeram-me voltar com mais umas tantas, veja se organiza isto. – disparou o fornecedor à saída.

      O fornecedor seguinte era o das frutas e legumes. Luís apresentou-se e o senhor fez o mesmo.

      – Vamos pesar isto ou posso ir embora? – disse o senhor.

      Luís olhou à sua volta procurando uma balança sem sucesso. Olhou novamente e lá encontrou uma balança ao lado dos frigoríficos, mas cheia de material. Apressou-se a desviar tudo e bloqueou a porta de um dos frigoríficos. Pesou tudo e conferiu com os pesos constantes na factura. O senhor explicou-lhe que tinha de tirar 1 kg por cada caixa, pois esse era o peso das suas taras. Estava tudo impecável e o aroma das ervas aromáticas deixou um perfume agradável no armazém. O senhor explicou-lhe que grande parte do que vendia era ele que cultivava, o restante material ía buscar na madrugada anterior


Скачать книгу