A novela gráfica como género literário. Alexandra Dias
a novela gráfica como um género literário, demonstrando a validade da sua premissa. Deste modo, é nossa intenção a clarificação das designações correntemente usadas para referir o universo da banda desenhada, nomeadamente: literatura gráfica, narrativa gráfica e novela gráfica, para propor uma definição desta última enquanto género literário. Teremos como eixo estruturador a obra teórica de Rodolph Töpffer, o inventor e primeiro teorizador desta forma narrativa que a designa por literatura em estampas, um novo género, escrito através de texto e imagem. Deter-nos-emos, numa perspetiva sistemática, no estudo dos géneros literários desde Aristóteles até à atualidade. Centrando-nos nos géneros narrativos, daremos especial destaque ao romance, que se assume como género narrativo por excelência e cuja forma proteica permite assimilar novas formas romanescas, nomeadamente a novela gráfica. Apresentaremos a definição do conceito de novela gráfica, universo onde a adaptação de obras literárias, para além de constituir uma prática corrente, definida pelos historiadores como uma das suas «tendências» mais marcantes do curso da história da banda desenhada portuguesa, é um fator decisivo para a constituição do género. Concluiremos com o estudo crítico de três novelas gráficas: Eduarda e As Pombinhas do Sr. Leitão, de Miguel Rocha, e Arquipélagos, de Diniz Conefrey. Eduarda resulta da adaptação literal da novela homónima de Georges Bataille, Madame Edwarda, e, em torno dela, procederemos ao estudo do conceito de transescrita como processo de adaptação. Veremos, de seguida, as diferentes modalidades que este processo pode revestir, para, no final, compreendermos de que maneira Eduarda integra o vasto domínio do romance como uma forma de transgressão própria à evolução deste género. As Pombinhas do Sr. Leitão é uma obra de ficção histórica em banda desenhada. O seu estudo permite-nos postular a existência do género novela gráfica histórica no domínio da ficção portuguesa em banda desenhada. O cinzento período do salazarismo nela representado conduz-nos ao estudo das instâncias de enunciação gráfica de um mosaico narrativo que se estrutura em torno da paródia. Por fim, Arquipélagos consiste na adaptação de dois textos poéticos de Herberto Hélder, «Aquele que dá a vida», de Os Passos em Volta, de 1963, e «(uma Ilha em sketches)», de Photomaton & Vox, de 1979. Dedicar-nos-emos apenas ao estudo deste último ←23 | 24→poema, porquanto a sua adaptação constitui uma novela gráfica que prescinde totalmente da palavra, o que representa para nós um duplo desafio. Por um lado, obriga-nos a explicar a conversão da linguagem poética em narrativa gráfica, e, por outro, a justificar o facto de esta mesma narrativa, que resulta de um texto lírico, pertencer ao género novela gráfica.
1 Cf. Virginie François, La Bande Dessinée, Paris, Éditions Scala, 2005, p. 9.
2 Cf. idem, p. 10.
3 Cf. ibidem.
4 Cf. Virginie François, op. cit., p. 9.
5 Cf. idem, pp. 9–11.
6 João Paulo Cotrim, «Prólogo», in J. P. Boléo e C. B. Pinheiro, Das Conferências do Casino à Filosofia de Ponta, Lisboa, Bedeteca /Câmara Municipal de Lisboa, 2000, p. 9.
7 Nome que se pensa constituir o pseudónimo de António Nogueira da Silva, um dos mais importantes caricaturistas desta época. (Cf. António Dias de Deus, Os Comics em Portugal: Uma História da Banda Desenhada, Lisboa, Bedeteca, 1997, pp. 30–32.)
8 Cf. J. P. Boléo e C. B. Pinheiro, op. cit., p. 14.
9 Cf. idem, p. 139.
10 Idem, p. 76.
11 Cf. Libbie McQuillan, «The Francophone Bande Dessinée: an Introduction», in The Francophone Bande Dessinée, Amsterdão, Edições Rodopi, 2005, pp. 7–8.
12 Cf. idem, p. 8.
13 Cf. Claude Molinerti e Philippe Mellot, Chronologie de la Bande Dessinée: Guide Culturel, Paris, Flammarion, 1996, p 169.
14 Cf. Libbie McQuillan, «The Francophone Bande Dessinée: An Introduction», in op. cit., p. 9.
15 Cf. ibidem.
16 Cf. idem, p. 10.
17 Cf. J. P. Boléo e C. B. Pinheiro, op. cit., p. 201.
18 Referimo-nos à tese de Rui Zink sobre a banda desenhada como possibilidade literária, apresentada à Universidade Nova de Lisboa em 1997, com o título A Banda Desenhada Portuguesa Contemporânea, que viria a ser publicada dois anos depois, pela Editorial Celta, com o título Literatura Gráfica? Banda Desenhada Portuguesa Contemporânea.
19 Cf. H. R. Jauss, Pour une Esthétique de la Réception, Paris, Gallimard, 1978, p. 50.
20 Cf. Roger Sabin, Comics, Comix & Graphic Novels, Nova Iorque, Phaidon, 1966, p. 11.
21 Cf. Alan Clark e Laurel Clark, Comics, Uma História Ilustrada da Banda Desenhada, Sacavém, Distri Cultural, 1991, pp. 6–13.
22 António Dias de Deus e Leonardo de Sá, «À Volta d’A Picaresca Viagem de Raphael Bordallo Pinheiro», in Apontamentos de Raphael Bordallo Pinheiro sobre a Picaresca Viagem do Imperador de Rasilb pela Europa, Edição Fac-similada, Lisboa, Bedeteca de Lisboa – Câmara Municipal de Lisboa, s.d..
23 Ibidem.
24 São defensores desta teoria, entre outros, Gérard Blanchard, La Bande Dessinée – Histoire des Histoires en Image de la Pré-Histoire à nos Jours, Verviers, Marabout, 1969 e Scott McCloud, Understanding Comics: The invisible Art, Nova Iorque, Harper, 1993.
25 Cf. Charles Hatfield, Alternative Comics – An Emerging Literature, Mississipi, University Press of Mississipi, 2005, pp. 3–4.
26 Cf. idem, pp. 4–5.
27 Cf. ibidem.
28 Cf. Hillary Chute, «Comics as Literature? Reading Graphic Narrative», in Journal of the Modern Language Association of America, Nova